segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Pá!






(Para ser lido em voz alta e com as oclusivas bem pronunciadas,rss...)

Gosto que me chamem de "Pá" ou "Pati". Por causa do som. Oclusivo, como diriam os gramáticos. Do mesmo modo que o /b/, o /t/, o /d/, o /k/ e o /g/.
Um céu "plúmbeo", significa que logo explodirá um aguaceiro. Um copo de leite quente, desencadeará um calor ardente...
As palavras evocam os sons que produzem... Como: bunda...peito...beijo...não tenho culpa! Neste caso, a culpa é da língua, que nos obriga a falar de boca cheia.
A pecar de todas as formas.
Por isso gosto de Pá. Uma só explosão! Lábios que se tocam...
Som que se perpetua pelo ar, ecoa no coração...
Pó de perlimpimpim.
O plim da tv. O plaft, pluft dos contos de fadas.
Um pouco de susto, leve e gostoso, a evocar os distraídos.
Do mesmo modo que o badalar dos sinos.
Essas letrinhas tão simples eclodem na boca como uma chuva de pétalas, como bola de goma, pipoca na panela.
Claro que há o 'pá' das metralhadoras e armas, mas este não conta. Pelo menos não aqui! Já há o suficiente dele nos jornais e noticiários.




Lição dos Cravos


Minha mãe não gostava de cravos.
Dizia que eles a faziam lembrar-se de meu avô, que os adorava.
Então, acho que ela deveria gostar, já que amava meu avô. Não deveria ser assim? Tendemos a gostar do que as pessoas que amamos gostam e não gostar do elas não gostam?
Mas minha mãe sempre foi assim...
Idiossincrasias de uma aquariana que nasceu pra contradizer!
Ela gostava das rosas.
Vivi muito pouco com meu avô e o suficiente com minha mãe, para ter ojeriza aos cravos. E isso para mim era extremamente incômodo. Explico.
Desde a primeira vez, aos 16 anos, que ouvi falar em literatura galego-portuguesa fui arrebatada à Península Ibérica e de lá nunca mais saí. Nem da sua cultura, das suas revoluções e tradições.
Talvez coisa de vidas passadas.
Certa vez, por meio de uma sessão de regressão, recordei-me de cenas vividas na Catalunha. Para mim, tão vivas quanto a minha infância em Araraquara. Se é obra de magia ou de literatura não sei! Já que não vejo distinção entre elas! Pois que ambas dão na mesma: são capazes de nos transportar com todas as visões, cheiros e amores a qualquer local do planeta e mais além.
A questão é que não existe tradição ibérica sem cravos! Portugal sem a Revolução dos Cravos, toureiro sem cravo, dançarina andaluza sem cravo. Há cravos ao redor das casas, nas pinturas, nos poemas, nas estampas dos vestidos...
Desconjurava tanta obsessão!
Para mim quem deveriam estar ali eram as rosas, as margaridas, as orquídeas...todas, menos ele, os cravos!
Passados tantos anos finalmente me libertei de minha mãe, assim como de seus preconceitos.
Cada qual já carrega por si mesmo um bom fardo deles, não merecemos os de mais ninguém.
Admirando 4 cravos em uma taça, na mesa de jantar, descubro, atônita, seu esplendor. Na verdade, sua elegância! Parecem aqueles vestidos de gala, justos, que se abrem de repente em suntuosos babados.
E como são cheirosos!!
O tom do seu caule, meio azulado, combina perfeitamente com o vermelho,os tons de rosa, o amarelo ou branco de suas pétalas. Nada nele é exagerado, a não ser sua elegância.
Quantos prazeres deixamos de contemplar ou de viver por conta de preconceitos.
Pensar por mim mesmo, saber o que me agrada ou desagrada, independente das opiniões alheias é a minha grande lição dos cravos. Olé!

domingo, 14 de dezembro de 2008

Rosas vermelhas


Hoje acordei bonita.
Olhei-me no espelho
e vi que tenho exatamente a "cara ' que deveria ter.
Nem mais nem menos!

Resolvi me presentear com um buquê de rosas.
- Sim, vermelhas, claro!

Porque sinto o sangue pulsar em minhas veias e
acarinho a carne tenra e macia das minhas coxas.

Descobri que as mereço.
Todas as mulheres merecem, afinal.
Mas poucas percebem que
se não nos presentearmos,
se não começar em nós a admiração,
jamais elas,
as rosas,
virão!
De mãos alheias ou não (necessariamente)!

domingo, 30 de novembro de 2008

Sem deixar rastros


Você já parou para admirar aqueles jardins japoneses que são formados apenas por areia e algumas pedras? Então, além da simbologia que há por trás, que personifica a imagem do país: a areia como sendo o Oceano e as pedras, as ilhas que o formam, o que mais chama à atenção é o cuidado em manter a areia sem pegada alguma!

E quem já participou de uma sessão de meditação budista sabe, que após a prática, há todo um ritual de 'desamassar' as almofadas (zafus), guardá-las, deixar o auditório como se tivesse acabado de receber uma bela faxina.

E o banheiro dos mosteiros, a cozinha, o jardim...? Tudo na mais completa ordem!

Será que existe um faxineiro, invisível, e em tempo integral, fazendo todo o trabalho como acontece nos shoppings e hospitais? De forma alguma! Nos mosteiros cada um vai limpando, organizando, purificando os ambientes por onde passa, para que outro não se depare, não tenha que conviver, com a 'sujeira' alheia.

Faz parte da tradição oriental, principalmente dos japoneses, a discrição e o não sobrecarregar ninguém com a sua 'bagunça'.

Contudo, não precisamos ir tão longe buscar exemplos de atitudes como essas. Os temos na própria bíblia, mas é que as pessoas se acostumaram a interpretações prontas, ou as que mais lhes convêm. Pois estão lá:

"Que cada um tome sua cruz e ande!" (Jesus, Lucas 9:23);


"Não devemos ser um peso para ninguém!" (Apóstolo Paulo e Atos, 18:4).



Só os bebes têm o direito de serem carregados e que alguém recolha seus brinquedos espalhados pela casa. Depois disso, só os inválidos.

É difícil para algumas pessoas compreenderem que o ato de tomar um simples copo de água só se encerra quando o copo está lavado, enxuto e, depositado novamente no armário. Da mesma forma com nossos sapatos, roupas, livros ou qualquer objeto de uso pessoal. É a nossa bagunça, o nosso lixo! Deixaremos para que outros façam o serviço, afinal, se faz necessário gerar empregos?

Cada qual que faça o que quer da sua vida, mas acho muito indelicado deixar minhas peças íntimas para que outro as lave, ou minha cama para que outro a arrume.

Acredito que "ser responsável pela sua própria cruz", além de inúmeras interpretações , seja também: seja responsável pelo que você produz- tanto profissionalmente quanto pelo que descarta em forma de lixo- e pelo que consome. Pois essas coisas representam os seus 'rastros', suas 'pegadas' neste mundo.

Parace que o homem sente prazer em deixar sua marca, como símbolo de poder. Como faziam os antigos bárbaros, que deixavam por onde passavam cidades queimadas, mulheres estupradas, plantações destruídas, como exemplos da sua soberania. Talvez hoje sejamos mais discretos. Com excessão da guerras que deixam marcas tão cruéis como as dos antigos bárbaros, mas será que jogar o esgoto onde não se deve, soterrar nascentes, deixar a praia imunda no final do dia ou a casa imprestável para que outro a ponha no lugar, também não sejam formas de mostrar que "dominamos" aquele território, que temos "poder" sobre ele? Será que nos esquecemos que nossos 'herdeiros' seguirão nossos passos?

De modo que sou a favor da filosofia oriental: não deixar rastros! Pois deixaremos como herança aos nossos filhos o terreno limpo, para que eles, como aqueles que desenham sobre os jardins de areia, sejam completamente livres, para criarem suas próprias figuras.


quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Mnemosyne


Aprendi com Paulo Freire que a palavra 'memória' vem do verbo grego 'mimnéskein', que significa: 'lembrar-se'! Ela, por sua vez, deriva-se de um substantivo próprio, ou seja, o nome de algo ou alguém. Neste caso, de alguém muito especial: Mnemosyne! Essa deusa foi profundamente amada por Zeus que, com ela concebeu as 9 Musas: Sabedoria, Eloquência, Persuasão, Poesia, História, Matemática, Astronomia/Astrologia, Música e Dança.

Mas, por que será que justamente ela, a Memória, foi tão amada pelo deus dos deuses , a ponto de fazê-la a precursora de todos os saberes?

A memória é um olhar à distância. Sabe como quando nos afastamos de um objeto para o vermos melhor? Também sabemos que a história é cíclica e que "nada há de novo sob o sol". Então, como diria meu pai, 'puxando pela memória', vamos trazendo fios, um a um, no começo quase que invisíveis, como os das teias de aranha, que ninguém sabe onde ela os guarda. Ou você já viu alguma aranha com uma caixinha de rolos e carretéis?

Um a um eles vão ganhando forma, espessura, cores, dimensões inimagináveis e, quando percebemos, pronto: um tapete mágico novinho, formado pelos fios que vamos buscar lá atrás, em algum lugar, que como a aranha, até nós desconhecemos onde ficam guardados.

Também desses fios tiramos o alimento das Musas, elas são meio que "bichos de seda", e como comem! Não ficam um único dia sem se alimentarem, afinal é necessário fixar o espírito sobre uma idéia, até formá-lo em arte-criação, em Matemática, Poesia, Música...

Mas memória não é tudo. Jamais diria isso há uma semana ou a um mês atrás. Imagina, logo eu que me vangloriava de possuir uma memória prodigiosa! Ontem, enquanto estava sentada no trem, me lembrei que havia esquecido de colocar um novo pacote de papel-higiênico no banheiro. Puxa! Que deslize, não sou mais a mãe ou dona de casa perfeita!!

Que felicidade senti naquele momento. Não saberia explicar, mas de alguma forma compreendi que o Esquecimento também deve ser glorificado e ele deve ser o Pai da Alegria, da leveza, da Falta de Culpa, da Liberdade, da Inocência.

Se memória é bom, esquecimento é muito melhor! Como sempre a Natureza em sua infinita sabedoria fez tudo certo: quanto mais velhos ficamos, mais erros e dores acumulamos!! E, felizmente mais esquecidos também nos tornamos. Tudo está certo do jeito que está!

Não desejo mal se Alzheimer nem pra mim nem pra ninguém. Mas um esquecimentozinho sadio de pelo menos de algumas das muitas dores e besteiras que sofremos e fazemos ao longo dos dias e da vida.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008




" Se uma planta não consegue viver de acordo com sua natureza,
ela morre.
Assim também o homem!"



Henry David Thoreau