domingo, 30 de novembro de 2008

Sem deixar rastros


Você já parou para admirar aqueles jardins japoneses que são formados apenas por areia e algumas pedras? Então, além da simbologia que há por trás, que personifica a imagem do país: a areia como sendo o Oceano e as pedras, as ilhas que o formam, o que mais chama à atenção é o cuidado em manter a areia sem pegada alguma!

E quem já participou de uma sessão de meditação budista sabe, que após a prática, há todo um ritual de 'desamassar' as almofadas (zafus), guardá-las, deixar o auditório como se tivesse acabado de receber uma bela faxina.

E o banheiro dos mosteiros, a cozinha, o jardim...? Tudo na mais completa ordem!

Será que existe um faxineiro, invisível, e em tempo integral, fazendo todo o trabalho como acontece nos shoppings e hospitais? De forma alguma! Nos mosteiros cada um vai limpando, organizando, purificando os ambientes por onde passa, para que outro não se depare, não tenha que conviver, com a 'sujeira' alheia.

Faz parte da tradição oriental, principalmente dos japoneses, a discrição e o não sobrecarregar ninguém com a sua 'bagunça'.

Contudo, não precisamos ir tão longe buscar exemplos de atitudes como essas. Os temos na própria bíblia, mas é que as pessoas se acostumaram a interpretações prontas, ou as que mais lhes convêm. Pois estão lá:

"Que cada um tome sua cruz e ande!" (Jesus, Lucas 9:23);


"Não devemos ser um peso para ninguém!" (Apóstolo Paulo e Atos, 18:4).



Só os bebes têm o direito de serem carregados e que alguém recolha seus brinquedos espalhados pela casa. Depois disso, só os inválidos.

É difícil para algumas pessoas compreenderem que o ato de tomar um simples copo de água só se encerra quando o copo está lavado, enxuto e, depositado novamente no armário. Da mesma forma com nossos sapatos, roupas, livros ou qualquer objeto de uso pessoal. É a nossa bagunça, o nosso lixo! Deixaremos para que outros façam o serviço, afinal, se faz necessário gerar empregos?

Cada qual que faça o que quer da sua vida, mas acho muito indelicado deixar minhas peças íntimas para que outro as lave, ou minha cama para que outro a arrume.

Acredito que "ser responsável pela sua própria cruz", além de inúmeras interpretações , seja também: seja responsável pelo que você produz- tanto profissionalmente quanto pelo que descarta em forma de lixo- e pelo que consome. Pois essas coisas representam os seus 'rastros', suas 'pegadas' neste mundo.

Parace que o homem sente prazer em deixar sua marca, como símbolo de poder. Como faziam os antigos bárbaros, que deixavam por onde passavam cidades queimadas, mulheres estupradas, plantações destruídas, como exemplos da sua soberania. Talvez hoje sejamos mais discretos. Com excessão da guerras que deixam marcas tão cruéis como as dos antigos bárbaros, mas será que jogar o esgoto onde não se deve, soterrar nascentes, deixar a praia imunda no final do dia ou a casa imprestável para que outro a ponha no lugar, também não sejam formas de mostrar que "dominamos" aquele território, que temos "poder" sobre ele? Será que nos esquecemos que nossos 'herdeiros' seguirão nossos passos?

De modo que sou a favor da filosofia oriental: não deixar rastros! Pois deixaremos como herança aos nossos filhos o terreno limpo, para que eles, como aqueles que desenham sobre os jardins de areia, sejam completamente livres, para criarem suas próprias figuras.