sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Ovos de tartaruga



Às vezes temos que enterrar o coração,do mesmo modo que as tartarugas fazem com seus ovos.
Deixá-lo bem acolhido no interior da terra.
É que nesses momentos de completa quietude e solidão, mãos invisíveis trabalham sem cessar.
Num esforço imenso de limpar, curar, proteger e cuidar...
Coração é algo delicado e mimoso, tal qual os ovos.
Possuem uma estrutura frágil.
E guardam toda uma vida em seu interior.
Passa-se um tempo, dois ou três...eles ficam lá quietinhos.
Passam-se chuvas torrenciais, que lavam a terra.
Que assustam e oprimem.
Em outros momentos, só o silêncio e a escuridão.
Nos dias felizes de sol, nos sentimos aquecido e cheios de esperança.
Mas ainda não é hora de sair para  a vida.
É só uma alegriazinha de verão.
Sabe-se lá quantos invernos e chuvas fortes ainda teremos que passar?
(Enquanto isso as mãos invisíveis trabalham sem parar)
Retiram gorduras acumuladas, veias entupidas, nervos necrosados...
Tecem em meio à chuva e ao sol, um coração novo.
Coração alegre. Leve e manso.
Com aquela paciência típica das tartarugas: resistente, persistente, sábia e protetora.
E quando menos se espera temos um coração novinho em folha.
Há sabedoria demais na espera e no silêncio.

Do não manifesto


Gosto do gosto da promessa.
Do que poderia ter sido.
Porém não "saiu do papel".
Não se manifestou sob o sol.
Não desabrochou.
Não, não sou a favor do aborto.
De nenhuma forma de morte.
É que creio na existência do não palpável.
Do que não precisou ser materializado para ter existido.
Creio que aquilo que passou pela mente, e também pelo coração,
Existiu de alguma forma.
Em outra dimensão que não nessa. Em outro espaço, talvez outro tempo...
Da mesma forma que os sonhos que, de tão reais, ficam impregnados em nossas narinas, ouvidos, na pulsação e no compasso do nosso respirar.
Há desejos tão reais, que se tornam verdadeiros 'monumentos' internos. E, se de fora ninguém vê, de dentro não há dúvida de que existam!
Há vida demais em projetos que não chegaram a ser concretizados quanto em ódios sem explicação, problemas imaginários, fantasmas mentais e crenças que ninguém nunca viu.
De todos os sentidos, o mais enganoso é a  visão.
De todas as realidades, a mais real é a que não se vê.
Mas  a se sente, a que se pressente nas entrelinhas. Nas dobras do tempo.
No mínimo espaço de tempo de um piscar de olhos.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Água



Filha de Oxum, de Fevereiro, Pisciana
Sou filha das Águas
Águas ensolaradas, banhadas pelo Rei Sol
Águas mornas, calmas, serenas
Eu canto para a cura
Canto para a transparência
A limpeza, a sanidade
Canto pelo burburinho constante de uma pequena queda
Pelos respingos suaves que não agridem,
Toques de alegria
Ou a água morna na bacia
Onde pés descansam
Cheiro de alecrim, malva, um punhado de sal
A água da panela que cozinha o alimento
E o faz prosperar
Água de cheiro, perfume que espalha
Acalenta e aconchega
Como colo, como cheiro de mãe.
Mãe Lua, mãe Oxum.
Nunca me agradou ser tempestade
Mas para quem apenas é não há escolha
Faz o que tem que ser feito
Ser mulher é disciplina.
Cumprindo as fases, seguindo as regras.
Há uma alegria secreta, porém imensa, neste lado esquerdo da vida.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Oferendas ao nada



"E quantos de nossos esforços e sacrifícios são, na verdade, 'oferendas' ao nada?

Quantas pessoas poderíamos ter tirado 'para dançar' na vida e não o fizemos por ofertar sacrifícios ao nada? Sacrifício ao deus da timidez, ao deus da vergonha, ao deus do medo de ser rechaçado e assim por diante." 
"A alma imoral", Nilton Bonder

terça-feira, 18 de setembro de 2012

No compasso


Pessoas felizes não se rotulam ou se limitam.
Têm sonhos e não idéias fixas.
Não são vítimas nem mártires.
Não caminham, dançam!
Observam e acompanham com serenidade a mudança dos acordes.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Simples como a paz


Desejo a paz,
a minha paz.
A paz em meus relacionamentos,
em meus caminhos
na minha cama
na minha conta
no meu corpo.
A paz nos meus  dias,
na minha bolsa
a paz dos meus bichos.
o olhar no espelho e ver as rugas em paz.
os cabelos brancos em paz,
a memória cada dia mais lenta em paz.
Desejo apenas isto:
uma vida imersa num oceano de paz.
E eu creio que isso seja possível.
E se não for, agora o é, pela força do meu querer.

sábado, 28 de julho de 2012

O poço


O dia era calmo, quieto, manso.
Aconchegante como um camelo em seu corpo de animal comprido e sereno.
Era amarelo e azul infinitos, como céu e terra que não conhecem muros.
Imensidão de luz, profusão de vida latente
A beleza tem um tal poder, uma majestade que cala!Que se anuncia sem se anunciar.

Intuitivamente segui até o poço.
Bebi do perdão que há muito tempo me esperava.
Senti uma quentura escorrendo sob a pele.
Mãos trêmulas e palavras desajeitadas.

Viver tem desses mistérios.
Quando achamos que estamos vivos, não estamos.
E quando achamos q ela se foi, estamos plenos.
Por isso creio em Deus.
Porque há sempre algo que foge ao nosso controle.
A magia da vida é o inesperado.
É o que nos confunde e atordoa.
Põe um sorriso discreto em nossos lábios
E um brilho raro nos olhos.

Guímel


Eu camelo.

OU

Eu, camelo?

A escolha é minha!

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Gatos


Há gatos de armários
Gatos de garagens
De jardins ensolarados
Cadeiras nas varandas
Carros abandonados
Muros banhados de luar
Telhados esburacados

Que habitam nos corações solitários
Moradores de lugares desertos, porém quentes e acolhedores
Eles pressentem a vida
Onde o mundo acha que ela não existe
Naqueles que não contam
Mais nas estatísticas dos viventes normais

Sabem das coisas misteriosas
Que, em si mesmas, não têm mistério algum
Apenas sabem porque veem
Enxergam para além do senso comum
Ou quem nunca reparou no tamanho dos seus olhos?